Excessos

Eduardo de Almeida Reis – Pena Capital (segunda 6/julho)

A morte de um ídolo é normal. É também normal que seus fãs fiquem chocados com a notícia. Mais que normal é o fato de os meios de comunicação, refletindo o sentimento de seus leitores, ouvintes e telespectadores, noticiarem a morte do ídolo.
Onde o excesso? Na overdose. Não bastasse o Demerol, remédio que o rapaz tomava para livrar-se das dores provocadas por seus movimentos, temos tido superdose de cobertura midiática.
Hesitei antes de abordar o assunto, pelo seguinte: pautado pela editoria de um caderno especial – oito páginas em cores – escrevi sobre o acidente com os Mamonas Assassinas.

Consegui arranjar inimigos na redação pelo resto dos meus dias.

Qual foi o meu crime? Afirmei que ficava triste com a notícia de um desastre que ceifou tantas vidas jovens, de mesmo passo em que disse que nunca, jamais, em tempo algum, ouvira falar dos Mamonas. Até posso ter ouvido numa rádio referência rápida ao conjunto musical, mas não me interessei pela música dos rapazes.

Pra quê?! Publicado o caderno especial, quando voltei à redação dias depois (morando noutra cidade, mandava as matérias pelo fax), encontrei uma porção de inimigos de infância, desafetos figadais, que devem ter achado um crime desconhecer a existência dos Mamonas. E olhem que lamentei, sinceramente, a morte dos jovens, embora não os conhecesse.

Conheci Michael Joseph Jackson através da tevê e das histórias que li nos jornais. Nada tinha contra o astro, muito antes pelo contrário, aliás. Mas acho que a mídia – e vou arranjar novos inimigos figadais – vem exagerando na cobertura. Dias inteiros, telejornais inteiros, primeiras páginas de todos os jornais do planeta. Um deles, editado no Rio, logo na manhã seguinte estampou em letras garrafais: “Nasceu preto, ficou branco, virou cinza”. Manchete impiedosa, mas engraçada.

Para ser justa, a imprensa deveria dedicar à morte de um benfeitor da humanidade a milésima parte da cobertura dada a Jackson. Não digo a centésima; a milésima já seria mais que justa. Lembro o nome de um judeu casado com brasileira, o doutor Albert Bruce Sabin, falecido em 1993. Graças a ele, Sabin, inventor da vacina contra a poliomielite, Jackson e seus irmãos do Jackson Five puderam encantar o público. Assim como eles, milhões de outras criaturas foram salvas da pólio pela vacina do doutor Sabin, aperfeiçoando a vacina do doutor Jonas Edward Salk.

Sabin nasceu na Polônia e emigrou para os Estados Unidos aos 15 anos, onde fez carreira. Sua morte mereceu a ingratidão de pequenas notas nos jornais, quando deveria merecer todas as primeiras páginas em tipos graúdos.

Na morte de Jackson tivemos até a notícia de que sua mãe, a senhora Jackson, fora vista dois dias depois fazendo compras num supermercado. E mais, e mais, e muito mais – numa orgia noticiosa que, no meu entendimento, ultrapassa todos os limites da lógica e do bom senso.

Uma última notícia, quando rabisco estas linhas, dava conta da construção na Bahia, por um grupo de empresários negros, de um monumento a Michael Jackson. Homenagem paradoxal a um cidadão que fez mil tratamentos para ficar branco. Deveria ser odiado pelos de sua etnia, mas é idolatrado e homenageado com um monumento. Não entendo mais nada. Nem é para entender mesmo.

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